usina nova seival

Na contramão energética, Rio Grande do Sul discute nova usina a carvão

Enquanto o mundo caminha para a descarbonização e as térmicas a carvão se tornam cada vez mais obsoletas, o estado do Rio Grande do Sul sofre com o retrocesso e a insistência em perpetuar a dependência do carvão.

Querem instalar mais uma usina termelétrica a carvão no estado. A primeira audiência pública referente à Usina Termelétrica Nova Seival, da Energias da Campanha Ltda., subsidiária da Copelmi Energia Desenvolvimento e Participações Ltda, foi realizada na última quinta-feira (20) com pouca divulgação e irrisório espaço de fala para os inúmeros questionamentos sobre as inconsistências do Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) do empreendimento, além da série de riscos que envolve o projeto.

Para realizar a operação, se pretende construir instalações nos municípios de Candiota e Hulha Negra. Por via rodoviária, a UTE – que prevê a geração de 726 Megawatts (MW) – ficará a aproximadamente 380 km de Porto Alegre. A Usina será instalada em um terreno no município de Candiota, nos limites da área da Mina Seival, e o Reservatório Passo do Neto será instalado no Rio Jaguarão, na divisa dos municípios de Hulha Negra e Candiota.

A audiência foi presidida de Brasília pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama), representada pelo engenheiro-chefe da Divisão de Energia Nuclear, Térmica, Eólica e outras Energias Alternativas, Eduardo Wagner da Silva.

Durante a apresentação – avaliada como simples propaganda por pesquisadores e técnicos da área ambiental que participaram da audiência – foram apresentados dados superficiais pouco esclarecedores sobre os impactos de uma nova usina para o meio ambiente e a população local. Os responsáveis pelo empreendimento chegaram a classificar como sustentável apenas por “poluir menos”, ainda que utilizando uma das fontes de energia mais sujas do mundo.

Enquanto pesquisadores, professores e estudiosos tinham apenas três minutos contados para fazer suas considerações e questionamentos, perguntas referentes a números concretos de emissões de gases de efeito estufa, detalhes sobre reassentamento de populações e impactos diretos à região não foram respondidas.

Pesquisadores e professores apontam falhas e riscos no projeto

Membros do Instituto Arayara e do Observatório do Carvão Mineral apontaram riscos e questionaram relatórios

“Vejo com bastante preocupação estarmos discutindo a instalação de uma usina a carvão, em pleno século 21, e em meio a uma crise climática global, onde a humanidade está em perigo como nunca. Me causa surpresa e entristece que estejamos discutindo uma fonte de energia tão obsoleta”, iniciou Paulo Tagliani, pesquisador, professor e responsável pelo Laboratório de Gerenciamento Costeiro da Universidade Federal do Rio Grande (FURG).

“Um cálculo rápido aponta que o investimento de U$ 1,3 bilhão desse empreendimento seria suficiente para suprir a demanda de energia de 435 mil residências, com sete painéis solares cada uma. E, mesmo assim, voltamos a discutir projetos de carvão, uma fonte de energia que contribui para o aquecimento global e para o agravamento da crise hídrica, em uma região com graves problemas hídricos”, complementou Tagliani, que ainda ficou sem resposta quando perguntou sobre o cálculo do volume de carbono que será lançado anualmente na atmosfera pela usina.

Para Marcos Espíndola, analista ambiental do Instituto Internacional Arayara, os impactos do projeto são extensos. “Esse empreendimento é insustentável. Não só a usina terá um impacto significativo na área a ser ocupada pelo reservatório, a qual terá que ser negociada e indenizada com os atingidos, mas também há impacto direto no meio biótico”.

Marcos elencou os principais impactos no meio biótico, entre eles:

  • Alteração das comunidades bióticas terrestres
  • Perda e fragmentação dos hábitats da fauna terrestres
  • Supressão de remanescentes e fragmentação da cobertura vegetal
  • Processos erosivos e assoreamento de cursos d’água
  • Alteração da disponibilidade hídrica

“Há instrumentos, como AAI (Avaliação Ambiental Integrada) ou a (Avaliação Ambiental Estratégica), que levam em consideração a conservação da biodiversidade e da sociodiversidade junto ao desenvolvimento sustentável, à luz da legislação e dos compromissos internacionais assumidos pelo Governo Federal. Por que esses importantes documentos não estão presentes nos estudos da UTE Nova Seival, já que podem contemplar a preservação ambiental e também a aliança entre preservação e desenvolvimento socioeconômico da região?”, questionou.

Mais de 40 técnicos do Instituto Internacional Arayara e do Observatório do Carvão Mineral (OCM) analisaram o EIA/RIMA referente à UTE Nova Seival, tendo encontrado mais de 100 pontos elencados com eventuais falhas, erros graves e ausências de informações.

“Para começar, essa audiência pública não foi devidamente divulgada para a população impactada direta ou indiretamente. Estejam certos de que iremos litigar ou judicializar os atos falhos da audiência, bem como os pontos técnicos apresentados”, ressaltou Juliano Bueno de Araújo, diretor do Instituto Arayara e diretor técnico do OCM, que.

Cada termelétrica ligada no sistema, hoje, significa maior custo energético para cada brasileiro, incluindo os gaúchos. Então é uma panaceia dizer que ligar uma termelétrica traz retorno para a população. Cada térmica ligada significa que pagamos uma conta maior. E essas verdades precisam ser ditas”, complementou Juliano, que ainda lembrou sobre a pesquisa do International Energy Agency que aponta que 72% da indústria fóssil carbonífera mundial vai ser encerrada nos próximos 10 anos. “Estamos indo contra as mudanças e quem vai pagar por isso?”.

Juliano Bueno de Araújo, diretor do Instituto Arayara e diretor técnico do Observatório do Carvão Mineral

Ficou clara, durante a audiência, a preocupação da sociedade acadêmica e científica quando questões como as elencadas acima não entram em pauta considerando o tamanho do empreendimento e seus impactos. O Instituto Internacional Arayara já deu entrada em ações judiciais que contemplavam o mesmo questionamento contra diversos empreendimentos – inclusive envolvendo a própria Copelmi, referente ao projeto da Mina Guaíba. E com a UTE Nova Seival não será diferente.

Doenças e riscos para a saúde da população

Juliano, que é engenheiro e doutor em Riscos e Emergências Ambientais, aponta que o documento não se sustenta tecnicamente, tendo deixado de lado uma série de aspectos como os metais pesados liberados pela queima do carvão nas partículas de pó espalhadas no ar, chamadas PM 2.5, que são altamente prejudiciais à saúde humana.

“Esse carvão é uma espécie de lixão químico. Contém mais de 76 elementos da tabela periódica que poderão estar no pó produzido pela mina de carvão. Entre eles, encontram-se os chamados metais pesados, como berílio, cádmio, chumbo, manganês. Os metais pesados são extremamente danosos à saúde humana e poderão causar severos danos, como câncer, pancreatite, e hipertensão. A lista de possíveis doenças é enorme. Os médicos fazem, hoje, um alerta ao afirmarem categoricamente que essas partículas PM 2.5 matam tanto quanto o fumo”, ressaltou.

A diretora do Instituto Internacional Arayara, Nicole de Oliveira, também questionou um comentário sobre a necessidade de energia firme para os hospitais como justificativa para a construção da UTE. “É notório que o carvão leva as pessoas aos hospitais por doenças respiratórias devido a liberação de enxofre, monóxido de carbono e vários outros gases tóxicos e metais pesados. O carvão gera asma ocupacional, bronquite industrial e várias outras doenças pulmonares, isso sem contar a quantidade de acidentes de trabalho. Então, a mesma UTE que está sendo construída para oferecer energia firme para os hospitais, é a que vai mandar mais pessoas para os hospitais por conta dos impactos do carvão”.

O biólogo e Mestre em Botânica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), professor Paulo Brack, também ressaltou os perigos do empreendimento e apresentou alguns números preocupantes.

“A Usina Termoelétrica Nova Seival sozinha queimará 5 milhões de toneladas de carvão. Pelos cálculos, baseado nos pesquisadores Miguel Vassilou e Tuiskon Dick, teríamos 125 toneladas de cádmio, 170 toneladas de chumbo, 1 tonelada de mercúrio, 100 toneladas de cobre, 3.600 toneladas de berílio e 10,3 toneladas de zinco. Alguns metais pesados são bioacumulativos e de grande comprometimento ao sistema nervoso, hormonal, gerando câncer e principalmente afetando crianças em desenvolvimento no entorno das UTEs. O RIMA da UTE Nova Seival não fala em metais pesados”.

As secas e os impactos para a agricultura local

“As secas prolongadas no interior do RS, especialmente nas regiões de Hulha Negra e Candiota, comprometem anualmente a produção agrícola e pecuária. Os assentamentos já têm sido duramente impactados, e somente em 2020 a estiagem provocou perdas em produções de gado, leite, milho e soja, encarecendo a vida de toda a população”, ressaltou a diretora da Arayara, questionando o item 6.1.6.3 do volume 6A do EIA, que utiliza como premissa a disponibilidade hídrica do rio Jaguarão, justificada pela teórica ausência de estação seca marcante e no índice pluviométrico praticamente constante durante o ano.

Nicole fez uma série de questionamentos, não respondidos de maneira clara, sobre os principais impactos para agricultores locais.

Quantas pessoas serão reassentadas?

Qual é o plano de ação para geração de renda para mulheres, já que o carvão contamina a produção agrícola familiar, e está planejando desalojar pessoas de assentamentos?

Com o encarecimento dos alimentos e a escassez hídrica, qual é o plano de mitigação para o impacto direto que o carvão gera na agricultura familiar?

No cômputo da geração de empregos mencionada, vocês incluíram os empregos perdidos pelas mulheres da agricultura familiar?

As perguntas acima, e muitas outras, continuam sem resposta.

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