No sexto ano de operação da Mina Guaíba, a concentração de poluentes poderia ultrapassar em até 241% o permitido pela legislação ambiental. Os dados constam no estudo e no relatório de impacto ambiental (EIA-Rima) feito pela própria Copelmi, empresa que entrou com licenciamento do projeto, e foram revelados pela pesquisadora Márcia Käffer na noite desta terça-feira (20), em audiência pública realizada em conjunto pelos MPs Estadual e Federal, em Porto Alegre.
“Eles fazem uma simulação de quais os tipos de poluentes estariam no ar no momento em que eles estariam extraindo x volume de carvão do solo, e aí eles colocam isso em modelos matemáticos, para criar um cenário, levando em consideração as correntes de vento, entre outros fatores. Deste cenário, eles prevêem que no ano seis da mina, em que ela estaria operando na capacidade máxima, alguns poluentes, como o material particulado, em algum momento, ultrapassariam o limite permitido pela legislação ambiental, segundo a Resolução 03/90 do Conama”
Explicou a pesquisadora, que é professora visitante do Programa de Pós-Graduação em Qualidade Ambiental da Feevale. Käffer considera as medidas apontadas pela Copelmi – aspersão constante de água para evitar que a poeira se desloque e criação de uma “cortina vegetal” no entorno da mina para segurar a poeira – insuficientes.
Käffer analisou o EIA-Rima no que diz respeito à qualidade do ar a pedido do Ministério Público e encaminhou um parecer sobre o tema. Durante a audiência, ela também citou um estudo que realizou, em conjunto com outros pesquisadores, no qual se testou a exposição da folha de uma espécie de tabaco bastante sensível ao ozônio em diferentes cidades da Região Metropolitana (Charqueadas, Triunfo, duas áreas de Porto Alegre, Canoas, Montenegro e Viamão). Todas as plantas mostraram altas concentrações desse poluente na atmosfera, mas os maiores índices foram em Charqueadas e Triunfo, ambos na Região Carbonífera. “Ozônio pode vir a causar principalmente danos respiratórios”, explica a professora da Feevale.
Presente à audiência, a Copelmi fez uma exposição inicial e depois teve tempo para uma réplica, após serem ouvidos especialistas convidados pelo Ministério Público. O gerente de Sustentabilidade Corporativa da empresa, Cristiano Weber, afirmou que a empresa monitora o Datasus em Butiá, onde tem uma mina de carvão em atividade, e “as doenças respiratórias são decrescentes”.
“Deveria ser proibida a mineração em Região Metropolitana”
O professor do Instituto de Geociências da UFRGS Rualdo Menegat apresentou uma série de pontos que considera problemáticos no projeto Mina Guaíba. Ele apontou a composição do carvão mineral, que contém dezenas de elementos da tabela periódica, passando por metais pesados e elementos radioativos. Manifestou também preocupação com uma possível contaminação dos pontos de captação de água de Porto Alegre pelo fenômeno conhecido como drenagem ácida, no qual o enxofre contido no carvão contamina as águas.
Menegat também apontou para os prejuízos à atmosfera. “Serão liberados 416 quilos de material particulado por hora. Serão feitas mais de mil detonações por ano. E um consumo de diesel de mais 44 milhões de litros por ano. Isso tudo são emissões. Imaginem o que vai ser a atmosfera local”. O professor destacou ainda que haverá um enorme fluxo de caminhões, prejudicando a população em pontos sensíveis, como a Ponte do Guaíba. “Deveria ser proibida a mineração em Região Metropolitana”.
Em sua réplica, Cristiano Weber afirmou que as substâncias tóxicos não solubilizam e, por isto, não afetam a população. E rechaçou a possibilidade de contaminação das águas. “A Corsan capta água diretamente de um lago de cava de mina em Butiá”.
O professor de Engenharia de Minas da UFRGS Jorge Dariano, por sua vez, destacou que o panorama da mineração de carvão mudou radicalmente desde os anos 1980 e que países como a Alemanha convivem com grandes minas. “Tem que haver tecnologia e regulação. Me parece que é possível suportar um empreendimento desse tamanho”.
Além de professores, o MP convidou também representantes dos conselhos estaduais de Saúde e de Direitos Humanos, e ambos manifestaram preocupações quanto ao projeto. O representante do Comitê Estadual de Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, Alexandre Korb, disse que o projeto está em desacordo com a lei, por sua proximidade com o Parque Estadual do Delta do Jacuí, uma área núcleo de Mata Atlântica, onde não é permitida tal atividade.
O presidente da Sociedade de Engenharia do Rio Grande do Sul, Luis Roberto Ponte, defendeu a mineração do carvão, como forma de desenvolvimento e fez uma provocação ao jornalista Flávio Tavares, que estava na plateia: “Admiro muito o senhor, mas o senhor está contribuindo para a prorrogação da miséria”. Já João Carlos Loebens, do Instituto de Justiça Fiscal, questionou o ponto de vista de Ponte, ao mostrar dados que indicam que o setor de mineração contribui muito pouco com impostos: “Minas Gerais está rico? Não, é um dos estados mais endividados”.
“Através dos deuses a gente acredita que a mina não vai sair”
Quando a audiência abriu para as falas da população, foi possível ver a diversidade de atores envolvidos, quando um mega
empreendimento deseja se instalar. Uma ativista cedeu seu tempo ao vice-cacique Alex, da aldeia guarani Guajyvi, de Charqueadas, que não estava inscrito para falar. A promotora Ana Marchesan, que presidia a audiência, destacou que só autorizaria a cedência do tempo pela dificuldade das populações indígenas em ter acesso ao meio digital, necessário para inscrição.
“Eu não sabia que tinha alguns brancos pensando assim. Lá na aldeia a gente não foi informado que ia ter mina. Digo alguns brancos porque vejo aqui também outros brancos combatendo os poderosos. Através dos deuses a gente acredita que a mina não vai sair”, afirmou Alex.
Indígenas, assentados, moradores do loteamento Guaíba City – áreas afetadas pelo empreendimento – e ambientalistas, ou apenas cidadãos preocupados com os riscos do projeto, compunham a maioria do público. Mas também havia funcionários da Copelmi e moradores de cidades da Região Carbonífera que compareceram para defender a atividade mineira, inclusive o prefeito Daniel Almeida (PT), de Butiá, cidade que não tem relação com a Mina Guaíba. “A Mina B3 se localiza ao lado da bacia de captação de água da nossa cidade, e a mineração acontece a 500 metros, ou até algumas vezes menos, de três bairros da cidade, o que não abalou em nada a estrutura dos bairros que são próximos à mineração”, afirmou.
Por outro lado, foi trazido à tona por ativistas os danos que a mineração da Copelmi estaria causando no Bairro Princesa Isabel, em Arroio dos Ratos, como a rachadura de casas. Cristiano Weber, da Copelmi, mais uma vez negou que as rachaduras tenham relação com a atividade da empresa, afirmando que se trata de problemas estruturais das residências. “Não tem nexo. Antes de iniciar as atividades fizemos um diagnóstico de patologia das construções”, afirmou.
Fotos: Giulia Cassol/Sul21